Maria da Conceição Neto:

Nas malhas da rede: o impacto económico e social do transporte rodoviário
na região do Huambo c.1920–c. 1960


Maria da Conceição Neto

No planalto central de Angola rotas comerciais cruzaram-se durante séculos, usando os carregadores como sistema de transporte. A ocupação colonial do início do século vinte não alterou essa realidade. O Caminho de Ferro de Benguela atingiu o planalto a partir de 1910 e tornou-se a via principal de escoamento de mercadorias de e para o litoral, estimulando a produção e o comércio regionais. Mas estes continuavam a depender dos carregadores para chegarem à linha férrea.
A definitiva ruptura com o antigo sistema veio com a expansão do transporte rodoviário. A região central de Angola foi aquela onde mais cedo e com maior intensidade a rede de estradas se estendeu, valorizando ou criando pequenas vilas comerciais ao longo dos percursos, deixando outras zonas na periferia.
As consequências económicas, sociais e políticas do desenvolvimento da rede de estradas começaram por ser catastróficas para a população local: milhares de adultos e crianças das aldeias vizinhas forçados a um trabalho violento e sem retribuição, com meios técnicos primitivos (como em 1925 denunciava o Relatório Ross à Sociedade das Nações), transferência definitiva para as mãos dos colonos portugueses do controlo da circulação das mercadorias, reforço do controlo das autoridades coloniais sobre os "indígenas", já que a estrada facilitava a cobrança de impostos e o angariamento para o trabalho forçado. No entanto, tal como perante outras mudanças drásticas impostas pela colonização, os colonizados acabaram por fazer reverter a seu favor a maior facilidade de circulação de pessoas e mercadorias, utilizando intensamente as novas vias. Também no caso do Huambo o transporte rodoviário veio, a par do comboio, transformar o tempo e as distâncias, as relações sociais e o modo de ver o mundo.

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